O Marketing de Emboscada e a polêmica Regra 40

O desporto como indústria de entretenimento

O esporte passou por uma mudança de conceito e paradigma ao se inserir no contexto globalizado que atinge as mais diversas áreas do nosso dia-a-dia. O desenvolvimento da tecnologia trouxe grande fluxo de informações, transformando radicalmente as estratégias comunicativas.

O esporte, antes uma atividade principalmente lúdica, foi afetado diretamente por essas transformações, tornando-se um negócio global. Essa é uma visão que ainda hoje encontra resistência, principalmente por basear-se em princípios que muitas vezes vão de encontro aos ideais do esporte recreativo, quais sejam, a educação, a integração cultural e a busca pela excelência e pelo crescimento pessoal através do esporte.

Ademais, o esporte trabalha com a emoção e as tradições dos seus espectadores que, muitas vezes, trazem consigo uma carga sentimental irracional. Entretanto, o desporto, como qualquer outra atividade, está irreversivelmente inserido no mercado competitivo, fazendo parte de uma complexa estrutura negocial, com todas as peculiaridades de uma prática comercial globalizada.

O esporte profissional carrega consigo um potencial econômico incalculável. Isso inclui a exploração de clubes, associações, marcas, atletas e eventos esportivos, que se estende muito além do próprio jogo e campeonato. A conjuntura do esporte mercantilizado traz consigo a necessidade de uma transformação de como ele é visto socialmente. Nesse contexto, o desporto torna-se cada vez mais o objeto de uma indústria em pleno desenvolvimento: a indústria do entretenimento. Como um produto dessa indústria,  possui público cativo e de fácil acesso.

O esporte em geral, principalmente no que concerne às modalidades mais praticadas – e mais rentáveis –, é visto como excelente meio de comunicação. Sua grande visibilidade e popularidade em sociedades diversas fizeram dessa prática milenar alvo de empresas dos mais diversos âmbitos de serviços, que viram nessa atividade um meio de  divulgação incalculável de suas marcas.

O amplo desenvolvimento das técnicas comunicativas, principalmente no que tange à divulgação midiática das principais competições esportivas mundiais, fez com que a publicidade tradicional desse lugar a uma relação muito mais eficiente que, além de divulgar um produto, serviço ou marca, busca a associação desses elementos a um evento esportivo, um atleta ou uma instituição.

Essa relação é o patrocínio esportivo, que vem se desenvolvendo de forma exponencial, atingindo um mercado cada vez mais rentável e atraindo o interesse de marcas e serviços multimilionários. O interesse crescente dos espectadores no esporte profissional e suas competições traz grande vantagem às partes  envolvidas nessa relação. 

O patrocínio esportivo é conceituado por Leonardo Andreotti como: 

Uma forma de comercialização encontrada por algumas empresas e organizações esportivas para a captação de recursos econômicos para o desenvolvimento de suas atividades, bem como do próprio esporte, alcançando nos dias atuais um potencial econômico nunca antes imaginado, culminando assim no aumento exponencial dos  investimentos no patrocínio de eventos esportivos. (ANDREOTTI, 2014, p. 25).

Seguindo essa definição, Pozzi disserta que o patrocínio consiste na “provisão de recursos de todo o tipo por uma organização para o direto suporte de um evento (esporte ou artes) ou de interesse social (educacional ou ambiental), com o propósito de associar diretamente a imagem da empresa/produto com o evento”. (POZZI, 1998, p. 116).

Ou seja, o esporte passou a ser detentor de um potencial de mercado extremamente explorável, gerando retornos incomensuráveis, tanto para as empresas e suas marcas, quanto para o crescimento do próprio esporte, que passa a ser realizado em meio a infraestruturas de extrema qualidade e com acesso a tecnologias que transformam performances e resultados.

Juntamente com as relações de patrocínio e por consequência de seus investimentos, desenvolve-se com extrema disseminação as práticas do marketing esportivo. A marca e os serviços passam a ter presença direta nos espetáculos esportivos e na mídia, trazendo uma visibilidade que faz com que o espectador relacione a marca ao atleta, clube ou  competição esportiva.

O patrocínio é, sem dúvida, um dos pilares para a evolução dos eventos esportivos e do desporto como um todo. A receita dele proveniente é responsável, em muitos casos, pelo sucesso da organização e realização das competições, trazendo qualidade e tecnologia a estas atividades e, consequentemente, inúmeros benefícios aos próprios atletas e, claro, aos espectadores e consumidores do “produto”.

Em vista disso, a proteção jurídica tem como função fundamental fortalecer a relação entre o investidor e o detentor desse investimento, sejam eles clubes, atletas, associações ou entidades internacionais, protegendo o patrocinador por ser este um dos principais responsáveis pelo sucesso dos eventos e do crescimento esportivo.

Estes investimentos são realizados com a aplicação de grandes aportes financeiros e, como  contraprestação, espera-se uma certa exclusividade na exploração comercial dos eventos, clubes e atletas, obtendo benefícios ao ativarem suas marcas e pressupondo uma associação de seus produtos e serviços com o sucesso do espetáculo esportivo.

Nesse contexto, e com o crescimento cada vez maior dessas competições, surgem práticas que têm como escopo a associação ao universo esportivo de empresas que não possuem qualquer contrato de ativação e patrocínio oficialmente firmado com as partes envolvidas no evento.

Desse modo, utilizam-se do sucesso dessa atividade com o público alvo para confundir o consumidor sobre sua efetiva relação com o evento, aproveitando as brechas deixadas pelos patrocinadores oficiais na exploração do produto. Essa forma de associação indevida é denominada de Ambush Marketing”, ou Marketing de Emboscada.

O conceito e evolução do “ambush marketing”

As principais organizações esportivas internacionais utilizam-se, como visto, de investimentos de grandes empresas para a realização de suas principais competições, de forma a garantir a melhor infraestrutura para o esporte profissional de alto nível, nas mais diversas modalidades.

Esse aporte financeiro vem em conjunto com relações jurídicas cada vez mais complexas entre as partes envolvidas, demandando a delimitação detalhada dos contratos, de forma a garantir cada vez mais a exclusividade dessas empresas como patrocinadoras oficiais dos grandes eventos esportivos, tendo em vista as quantias exorbitantes envolvidas nessa associação.

Sendo assim, muitas empresas ficam de fora dessa possibilidade de ativação de suas marcas, seja pela falta de capital para investimentos multimilionários, seja pelo rol restritivo de parceiros na organização de um evento.

Diante disso, fortalece a figura do marketing esportivo agressivo, da procura pelas mais diversas formas de publicidade e divulgação de marcas e serviços, utilizando-se da criatividade, inovação e da difusão das mídias sociais para que esses eventos tragam a estas marcas “não patrocinadoras” os mesmos benefícios auferidos pelos patrocinadores oficiais. Configura-se, assim, o Marketing de Emboscada.  

O Ambush Marketing é conceituado de diversas formas por inúmeros autores. Para Sandler e Shani (1989, p.11), é “um esforço planejado por uma organização, para se associar indiretamente a um evento, de forma a ganhar ao menos algum reconhecimento e benefícios associados ao fato de ser um patrocinador oficial”.  

Meenaghan (MEENAGHAN, 1994 apud FONSECA REIS, 1996, p. 2) defende que o termo marketing de emboscada é:

Uma forma de uma empresa se associar a um evento sem comprar direitos oficiais de patrocínio, alcançando objetivos de conhecimento e imagem, a um baixo custo. Na pior das hipóteses, confunde o consumidor acerca de quem é efetivamente o patrocinador oficial do evento, minimizando os impactos das ações dos que pagaram pelo patrocínio.

De acordo com Dualib e Stotlar (DUALIB e STOTLAR, 2005, apud  ZANCHETA, 2014, p. 6), o marketing de emboscada consiste em “uma estratégia promocional em que um não-patrocinador quer capitalizar a partir da popularidade ou do prestígio da  propriedade de outra empresa, dando a falsa impressão de que é um patrocinador".

A FIFA, em seu site oficial, ressalta:

A FIFA considera o combate ao marketing ilegal uma prioridade em seu trabalho de proteção às marcas porque o marketing ilegal oferece um risco direto ao programa comercial da FIFA, ao desvalorizar o patrocínio oficial.

As empresas que realizam o marketing ilegal não dão o devido valor ao fato de a Copa do Mundo da FIFA ser o resultado dos imensos esforços da FIFA no sentido de desenvolver e promover a competição e as marcas e símbolos oficiais, o que não seria possível sem o apoio financeiro dos Parceiros Comercias da FIFA.

Os patrocinadores do marketing de emboscada tentam se beneficiar irregularmente da empatia e da imagem positiva que são geradas pela Copa do Mundo da FIFA sem contribuir com a organização da  competição.

Destarte, podemos concluir que o Ambush Marketing, ou Marketing de Emboscada, trata-se de prática de ativação de marcas que tem por escopo desviar a atenção do consumidor dos patrocinadores oficiais dos eventos esportivos, associando-se a ele através das brechas deixadas por esses patrocinadores. Utilizam-se do mercado amplo e de grande potencial econômico que é o esporte para trazer às suas marcas as consequências do sucesso de atletas, clubes e grandes campeonatos.

É uma prática agressiva de marketing que, na visão dos investidores e das entidades de organização do desporto, transpõe o limite da legalidade, infringindo as regras da exclusividade que permeiam a maior parte dos contratos de patrocínio e desvalorizando as marcas oficiais, principais responsáveis pela realização dos campeonatos e  fundamentais para o próprio desenvolvimento do esporte em geral.

Uma vez que desvaloriza o patrocínio oficial, este diminui os valores investidos na organização dos eventos e, por isso, o Ambush Marketing vem sendo amplamente discutido e combatido pelas principais entidades  internacionais, como a FIFA e o Comitê Olímpico Internacional.

Alguns autores, no entanto, não entendem o Ambush Marketing como uma prática ilegal. Para Crow e Hoek (2003), por exemplo, há uma imprecisão no conceito atribuído a esse tipo de prática comercial.

Segundo eles, grande parte dos autores utilizam-no somente ao referir-se a uma prática pejorativa, ao invés de debater sobre o limite entre os direitos dos patrocinadores de obter exclusividade e o direito das marcas não-oficiais de se colocarem no mercado competitivo e de grande potencial econômico que é o universo esportivo, utilizando-se de estratégias de marketing e divulgação lícitas e, principalmente,  criativas.

Para autores como Crow e Hoek, o Ambush Marketing representa uma resposta às grandes organizações e aos monopólios que estas instituem na divulgação e organização dos eventos.

Esta forma de marketing esportivo traz grande debate de acordo com os pontos de vista das partes envolvidas nessa relação. Fato é que a linha entre a ilegalidade do marketing de emboscada e a publicidade criativa e competitiva é bastante tênue, sendo necessária a regulamentação da questão por meio de dispositivos legais ainda são muito incipientes no direito desportivo.

Emboscada por associação e emboscada por intrusão

Essa diferenciação quanto à legalidade ou ilegalidade do marketing de emboscada pode ser analisada utilizando-se, como um dos pilares, a classificação dos tipos de “ambush” encontrados. Essa diferenciação é feita por diversos autores distintamente. Para o presente trabalho, utilizaremos a divisão mais comumente usada, definida pela emboscada por associação e emboscada por intrusão.

A Lei Geral da Copa, em seu artigo 18, traz a definição do marketing de emboscada por associação mais comumente utilizada, não somente na Copa do Mundo, mas nos demais eventos esportivos:

Art. 18. Divulgar marcas, produtos ou serviços, com o fim de alcançar vantagem  econômica ou publicitária, por meio de associação direta ou indireta com os Eventos ou  Símbolos Oficiais, sem autorização da FIFA ou de pessoa por ela indicada, induzindo terceiros a acreditar que tais marcas, produtos ou serviços são aprovados, autorizados ou endossados pela FIFA:

Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.

Parágrafo único. Na mesma pena incorre quem, sem autorização da FIFA ou de pessoa por ela indicada, vincular o uso de ingressos, convites ou qualquer espécie de autorização de acesso aos Eventos a ações de publicidade ou atividades comerciais, com o intuito de obter vantagem econômica.” (Lei Geral da Copa que Dispõe sobre as medidas relativas à Copa das Confederações FIFA de 2013 e à Copa do Mundo FIFA de 2014, que serão realizadas no Brasil.)

Do mesmo modo, define a emboscada por intrusão através do art. 19 do mesmo dispositivo legal, conforme os seguintes termos:

Art. 19. Expor marcas, negócios, estabelecimentos, produtos, serviços ou praticar  atividade promocional não autorizados pela FIFA ou por pessoa por ela indicada, atraindo de qualquer forma a atenção pública nos Locais Oficiais dos Eventos, com o fim de obter vantagem econômica ou publicitária:

Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.

Ou seja, o marketing por associação relaciona-se aos símbolos e elementos dos grandes eventos esportivos que são associados diretamente ao evento e, portanto, só podem ser utilizados por aqueles que possuem legalmente e contratualmente direitos para tal.

A emboscada por intrusão, por outro lado, remete aos ambientes onde ocorrem as competições, impedindo que marcas que não possuem parcerias oficiais se aproveitem da publicidade do evento para se promover, obtendo os mesmos benefícios que  os patrocinadores oficiais, sem o aporte financeiro por eles realizado.  

Observa-se que ambas as formas de “ambush” possuem penas para a realização das condutas tipificadas.

No entanto, há outra classificação evidenciada acerca da questão em debate que demonstra onde se encontram os conflitos entre a legalidade ou não da referida prática. Essa classificação se dá pelo marketing de emboscada direto ou indireto.  

Leonardo Andreotti, em seu artigo “A previsão do Ato Olímpico contra as práticas do Ambush Marketing”, afirma que:

A associação direta caracteriza-se pelo uso indevido e não autorizado de sinais  identificadores do evento, tais como o logo, nome, os símbolos, as imagens ou qualquer ou qualquer outro elemento capaz de identificá-lo e diferenciá-lo, enquanto associação indireta visa confundir o público, pois, a despeito da não utilização das  propriedades econômicas pertencentes aos organizadores dos eventos esportivos, a  similitude das campanhas publicitárias com as características dos eventos levam a uma inexorável associação entre eles por parte do público, destinatário das campanhas publicitárias.

A diferenciação entre a prática direta e indireta é justamente o ponto de conflito referente a essa forma de publicidade, a sutileza entre a legalidade e a ilegalidade. A prática direta é facilmente verificada e combatida, por encontrar dispositivos legais que  combatem cada vez mais rigidamente esse marketing agressivo, conforme demonstrado com a Lei Geral da Copa, além de diversos outros mecanismos que trataremos ao longo deste  trabalho, tanto no direito desportivo como nas leis de propriedade intelectual.

Entretanto, a prática indireta geralmente não encontra óbice legal na maioria dos ordenamentos jurídicos, mas vem sendo repreendida fortemente pelas empresas patrocinadoras e entidades esportivas, gerando discordâncias entre aqueles que as realizam. Estes insistem tratar-se somente de formas criativas de impulsionarem suas marcas em um mercado monopolizado por empresas com grandes capitais para a realização desses investimentos.

Esse debate acerca do combate ao Ambush Marketing torna-se mais intenso e essencial quando da realização de grandes eventos internacionais, em especial os Jogos Olímpicos. A Olimpíada é o maior evento esportivo mundial e, portanto, conta com investimentos milionários, símbolos e elementos que têm seus valores comerciais elevados a patamares incalculáveis.

As restrições em relação à ativação de marcas e serviços são acompanhadas de forma extremamente rígida pelo Comitê Olímpico e pelos Estados responsáveis pela organização dos Jogos e, destarte, é uma seara de efervescência de conflitos envolvendo a associação ao evento.

O Marketing de Emboscada nos Jogos Olímpicos

O Marketing de Emboscada é uma prática que surgiu com a evolução dos  contratos de patrocínio e com a própria globalização do mercado, como supracitado. No contexto dos Jogos Olímpicos, ainda que o marketing já estivesse presente nas primeiras edições, é somente a partir de 1970 que este começa a ganhar maior potencial econômico, com o advento das transmissões televisivas, com o desenvolvimento tecnológico e com a  transmissão via satélite.

Os Jogos Olímpicos de Munique, em 1972, inauguraram uma nova era. A associação das empresas às Olimpíadas cresceu exponencialmente em comparação  com as edições anteriores. No entanto, ainda não era regulada, podendo ser realizada livremente através do marketing e propaganda, inclusive nas arenas e localidades próximas aos eventos.

Nada obstante, esse crescimento foi freado na década de 70 por consequência dos problemas ocorridos em suas três edições. Em 1972, Munique, os Jogos se depararam com o ataque terrorista aos atletas israelenses. Na edição 1980, em Moscou, o evento presenciou o boicote àquela edição, este liderado pelos Estados Unidos e seguido por mais de sessenta países ocidentais, em decorrência da invasão soviética ao Afeganistão ocorrida no ano anterior.

Mas foi a competição de 1976, em Montreal, que mudou os rumos do marketing dos Jogos Olímpicos e mostrou a necessidade de intervenção do Comitê Olímpico Internacional, bem como da criação de alternativas para a organização e desenvolvimento do evento. 

Em Montreal, o aumento do número de patrocinadores e empresas se associando ao evento cresceu vertiginosamente. Foram 628 patrocinadores oficiais, causando grande dificuldade à entidade internacional e ao Estado na fiscalização das atividades de marketing, causando prejuízos ao evento, com a disseminação da pirataria e da utilização indevida dos símbolos olímpicos.

Foram os Jogos Olímpicos de Los Angeles, em 1984, os primeiros a ter investimentos privados em sua organização, nos quais o Marketing de Emboscada começou a ser tratado como um ponto extremamente necessário de regulamentação por parte do COI e dos Estados Nacionais sede do evento.

Uma das providências tomadas foi a criação do Tratado de Nairóbi, em 1981, que tinha como objetivo a proteção do símbolo olímpico contra as associações indevidas. Este Tratado, criado pela Organização Mundial de Propriedade Intelectual (WIPO), foi ratificado por diversos países, inclusive o Brasil, mas ainda deixou de  fora algumas grandes potências, como os EUA.

Os Jogos Olímpicos de Los Angeles foram, portanto, o palco de surgimento definitivo das estratégias de associação e marketing agressivos denominados mundialmente como Ambush Marketing. Esta prática tornou-se parte das estratégias das grandes empresas que não participavam oficialmente do evento olímpico. O primeiro caso de grande dimensão do marketing de emboscada foi, destarte, a disputa entre duas das principais marcas esportivas mundiais: a empresa norte-americana Nike e a alemã Adidas.

Com os Jogos Olímpicos ocorrendo em terras norte-americanas, a Nike, já bem-sucedida nos EUA, visualizou a possibilidade de ganhar terreno com consumidores de outros países, onde predominava a empresa alemã. A despeito do dinheiro investido pela Adidas na representação da maioria dos atletas e do vínculo que possuía com a organização do evento, a Nike tomou as ruas da cidade com propagandas, deixando estampada sua marca nos mais diversos locais de Los Angeles, inclusive nos principais prédios da turística cidade.

Ademais, aproveitou das brechas deixadas pelas demais marcas e investiu em ativações como festas e luais, fazendo com que os telespectadores associassem as festividades dos Jogos diretamente com sua marca. Como bem explicitado pela autora Bárbara Smit (SMIT, 2007, p. 257):

“Embora a Converse tivesse pago cinco milhões de  dólares para ser parceira oficial do comitê de organização, os consumidores ficaram com  impressão de que a Nike patrocinara o evento. [...] Para quem estava na Califórnia naquele  verão, ficou claro que a Adidas estava sob fogo inimigo”.

Após os Jogos Olímpicos de Los Angeles e seus diversos obstáculos encontrados com a afirmação dessa agressiva forma de marketing “não oficial”, o Comitê Olímpico Internacional criou o programa TOP - The Olympic Partners, em 1985, como forma de incrementar o aporte financeiro pelo setor privado. A intenção era criar pacotes de direitos aos patrocinadores oficiais, de forma a criar um maior envolvimento olímpico internacional. Conforme dispõe César Pérez Carballada (2010):

“El COI (Comité Olímpico Internacional) cambió el esquema, y a partir de 1984 definió  categorías de productos, a las cuales se le asignó un sponsor en exclusiva. Este  esquema incrementó el valor del patrocinio, y a su vez generó mayores ingresos a sus  organizadores, pero dejó abierta la puerta a competidores más agresivos (y hay que  admitirlo, más creativos) que crearon el concepto de emboscada comercial”.

Com as novas regulamentações do COI e de diversos dispositivos dos próprios Estados Nacionais regulando a associação de empresas ao evento, a proteção dos patrocinadores oficiais em relação às práticas de emboscada tornou-se ainda mais essencial, restringindo rigidamente qualquer propaganda de empresas que não possuíam contratos formais com a organização do evento para as demais edições dos Jogos Olímpicos.

Não obstante, assim como as regulamentações foram crescendo e se aprimorando no combate ao  marketing de emboscada, a capacidade criativa das empresas também foi evoluindo. Destacam-se, por exemplo, as disputas entre Mc Donalds vs Burguer King e Beats vs Panasonic, nos jogos de Londres 2012.

No Brasil, com a realização dos Jogos Olímpicos de 2016, várias foram as regulamentações que permearam a organização do evento no tocante ao marketing de  emboscada.

De forma cronológica, o Tratado de Nairóbi, de 1981, recepcionado pela legislação brasileira através do Decreto-lei n. 90.129/84, garantiu a proteção do símbolo olímpico independentemente de registro em órgão público. Ademais, a Lei da Propriedade  Intelectual, em seu art. 124, inciso XIII, restringe o registro como marca de “nome, prêmio ou  símbolo de evento esportivo, [...] oficial ou oficialmente reconhecido, bem como a imitação  suscetível de criar confusão, salvo quando autorizados pela autoridade competente ou  entidade promotora do evento”.

A principal lei de organização do desporto brasileiro, a Lei 9.615 de 1998, mais conhecida como Lei Pelé, também possui como escopo a proteção das associações esportivas e seus elementos, como exposto através do art. 15 do referido dispositivo legal:

Art. 15. Ao Comitê Olímpico Brasileiro – COB, entidade jurídica de direito privado, compete representar o País nos eventos olímpicos, pan-americanos e outros de igual natureza, no Comitê Olímpico Internacional e nos movimentos olímpicos internacionais, e fomentar o movimento olímpico no território nacional, em conformidade com as disposições da Constituição Federal, bem como as disposições estatutárias e regulamentares do Comitê Olímpico Internacional e da Carta Olímpica. 

Parágrafo 2. É privativo do Comitê Olímpico Brasileiro – COB e do Comitê Paraolímpico Brasileiro o uso das bandeiras, lemas, hinos e símbolos olímpicos e paraolímpicos, assim como as denominações “jogos olímpicos”, “olimpíadas”, “jogos paraolímpicos” e “paraolimpíadas”, permitida a utilização destas últimas quando se  tratar de eventos vinculados ao desporto educacional e de participação.

Parágrafo 4. São vedados o registro e uso para qualquer fim de sinal que integre o símbolo olímpico ou que o contenha, bem como do hino e dos lemas olímpicos, exceto mediante prévia autorização do Comitê Olímpico Brasileiro – COB.

Parágrafo 5. Aplicam-se ao Comitê Paraolímpico Brasileiro, no que couber, as disposições previstas neste artigo.

Ainda em referência à Lei Pelé, importante destacar o disposto em seu art. 87:

Art. 87. A denominação e os símbolos de entidade de administração do desporto ou prática desportiva, bem como o nome ou apelido desportivo do atleta profissional, são de propriedade exclusiva dos mesmos, contando com a proteção legal, válida para todo o território nacional, por tempo indeterminado, sem necessidade de registro ou averbação no órgão competente. 

Na busca por um combate cada vez mais rígido sobre as práticas de associação aos grandes eventos esportivos, destacam-se no Brasil as leis editadas frente à iminência da realização dos dois maiores eventos esportivos internacionais, a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016.

O Ato Olímpico entrou em vigor em 2009, através da Lei n. 12.035, e conta com dezesseis artigos sobre os mais variados temas de interesse ao Comitê Olímpico Internacional, legislando sobre anti-doping, direitos dos sinais de  comunicação, responsabilidade do Governo Federal e, claro, sobre a publicidade em relação ao evento. Os art. 7º e 8º da carta em questão preocupam-se com a proteção dos elementos  olímpicos, nos seguintes termos:

Art. 7º É vedada a utilização de quaisquer dos símbolos relacionados aos Jogos Rio 2016 mencionados no art. 6º para fins comerciais ou não, salvo mediante prévia e expressa autorização do Comitê Organizador dos Jogos Rio 2016 ou do COI. 

Art. 8º. A vedação a que se refere o art. 7º estende-se à utilização de termos e expressões que, apesar de não se enquadrarem no rol dos símbolos mencionados nesta Lei, com estes possuam semelhança suficiente para provocar associação indevida de quaisquer produtos e serviços, ou mesmo de alguma empresa, negociação ou evento, com os Jogos Rio 2016 ou com o Movimento Olímpico. 

Posteriormente, a Lei Geral da Copa (Lei n. 12.663/2012), trouxe à tona  restrições mais rigorosas, especificamente sobre o marketing de emboscada. Nesses termos:

Marketing de Emboscada por Associação 

Art. 32. Divulgar marcas, produtos ou serviços, com o fim de alcançar vantagem econômica ou publicitária, por meio de associação direta ou indireta com os Eventos ou Símbolos Oficiais, sem autorização da FIFA ou de pessoa por ela indicada, induzindo terceiros a acreditar que tais marcas, produtos ou serviços são aprovados, autorizados ou endossados pela FIFA:

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano ou multa. 

Parágrafo único. Na mesma pena incorre quem, sem autorização da FIFA ou de pessoa por ela indicada, vincular o uso de Ingressos, convites ou qualquer espécie de autorização de acesso aos Eventos a ações de publicidade ou atividade comerciais, com o intuito de obter vantagem econômica. 

Marketing de Emboscada por Intrusão 

Art. 33. Expor marcas, negócios, estabelecimentos, produtos, serviços ou praticar atividade promocional, não autorizados pela FIFA ou por pessoa por ela indicada, atraindo de qualquer forma a atenção pública nos locais da ocorrência dos Eventos, com o fim de obter vantagem econômica ou publicitária: 

Por fim, a lei mais recente sobre as especificidades dessa matéria trata-se da Lei 13.284/2016, alusiva aos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos sediados pelo Brasil, com destaque para o art. 9º e para o art. 15, inciso I: 

Art. 9º União colaborará com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios que sediarão os Jogos e com as demais autoridades competentes para assegurar às entidades organizadoras e às pessoas por elas indicadas autorização para, com exclusividade, divulgar suas marcas, distribuir, vender, dar publicidade ou realizar propaganda de produtos e serviços e realizar outras atividades promocionais ou de comércio de rua, nos locais oficiais e nas áreas delimitadas pela autoridade distrital ou municipal competente.  

Parágrafo único. A delimitação das áreas a que se refere o caput deste artigo não prejudicará as atividades regulares dos estabelecimentos em funcionamento, desde que atuem sem qualquer forma de associação aos Jogos, observado o disposto no art. 170 da Constituição Federal.  

Art. 15. Observadas as disposições da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código  Civil), é obrigado a indenizar os danos, os lucros cessantes e qualquer proveito obtido aquele que praticar, sem autorização das entidades organizadoras ou de pessoa por  elas indicada, as seguintes condutas: 

I - promoção, nos locais oficiais e nas áreas delimitadas de que trata o art. 9º, de:

a) atividades de publicidade, inclusive oferta de provas de comida ou bebida, distribuição de produtos de marca, de panfletos ou de outros materiais promocionais ou atividades similares de cunho publicitário;

b) publicidade ostensiva em veículos automotores, estacionados ou em circulação;

c) publicidade aérea ou náutica, inclusive por meio do uso de balões, de aeronaves ou de embarcações;  

Essas regulamentações concedem importantes direitos aos patrocinadores e às  entidades organizadoras. No entanto, estas não delimitam até onde vão os direitos de exclusividade, deixando lacunas sobre o estabelecimento de limites entre a proteção da exploração do evento pelos investidores e a livre iniciativa das empresas não oficiais. 

Para Giancchetta e Freitas (2012, página), isso significa dizer que as normas, além de visar a tutela dos direitos de propriedade intelectual das partes envolvidas  com o evento, devem prever uma limitação a esses mesmos direitos, a fim de evitar o cerceamento do legítimo direito de outras empresas de desenvolverem licitamente suas  atividades comerciais durante o período de realização das competições, bem como nos locais que elas ocorrerão.  

Neste diapasão, surgem as discussões acerca da tênue linha entre a ilegalidade da prática do ambush marketing e seu excessivo combate pelas entidades esportivas. Não há dúvida de que o marketing de emboscada efetuado de maneira direta se traduz em ilegalidade e deve ser combatido rigidamente através dos mecanismos legais estudados.

Outrossim, é certo que há formas de associação indireta que também devem ser repreendidas pela legislação por contribuírem diretamente com a desvalorização econômica do evento esportivo, dos contratos de patrocínio e, por conseguinte, dificultam a viabilidade de realização de toda uma estrutura esportiva necessária e adequada, minando os investimentos  privados na execução do evento.  

A ocorrência de eventos esportivos como a Olimpíada envolve toda uma gama de sentimentos dentro de cada nação e tem, como objetivo, além da própria competição esportiva, a integração de toda a população, principalmente onde é sediado o evento. É ultrapassar os limites, portanto, procurar combater todas as formas de divulgação que levam ao público o sentimento olímpico.

É ir de encontro à livre concorrência procurar que as empresas não-oficiais ignorem o acontecimento dos Jogos Olímpicos e se abstenham de obter benefícios com certo envolvimento com o espetáculo esportivo. Grandes eventos esportivos possuem uma complexidade de titulares de direitos e, isto posto, resta claro que os patrocinadores oficiais e as entidades organizadoras não possuem direitos absolutos, ilimitados.

Há publicidades e propagandas que, a despeito de associarem-se ao espetáculo esportivo, não têm a intenção de induzir o consumidor a acreditar que possuem vínculo oficial com as entidades organizadoras, sendo apenas fruto da criatividade e capacidade do profissional de marketing. O que deve ser coibido é o abuso desse direito de associação, quando a criatividade se torna agressiva a ponto de constituir prática ilegal. 

Ademais, o marketing de emboscada pode inclusive ser eficaz para o evento, quando o patrocinador oficial não consegue explorar integralmente o momento e, portanto, o “ambush”, nos limites da legalidade, garante a publicidade necessária ao evento para a consecução de seus fins.  

Isto é, os legisladores devem observar o princípio constitucional da livre concorrência, tipificada pelo art. 170, inciso IV, da Carta Magna, e combater o marketing de emboscada restringindo apenas o que realmente for uma prática ilegal, não minando a concorrência entre as empresas. 

Essa diferenciação decorre também das diversas formas de se realizar o marketing de emboscada. Segundo a autora Ana Carolina Velloso (GOULART, 2010, apud  DIAS, PEREIRA e FREITAS, 2014, página), os exemplos mais conhecidos de marketing de associação são:

“a compra de espaço publicitário durante as transmissões das competições, a exibição de campanha publicitária nos arredores do estádio onde estão sendo realizadas as competições, a distribuição gratuita de material promocional da marca de empresa não patrocinadora dos jogos, o que transforma os consumidores em outdoors ambulantes, o uso de palavras e imagens que tenham associação com o evento esportivo, a distribuição de tíquetes para as competições dos jogos como prêmios em campanhas publicitárias e  patrocínio de atletas, times ou cidades ao invés de patrocínio do evento esportivo em si.” 

Logo, há entre essas formas de praticar o marketing de emboscada aquelas que são mais agressivas e acabam ultrapassando o limite da livre concorrência e atingindo os direitos de exclusividade dos patrocinadores, e aquelas que apenas se referem ao evento sem desvalorizar as marcas e serviços oficiais. Essa sutileza deve ser analisada de acordo com o caso concreto, observando a real intenção das propagandas disseminadas por essas empresas. 

Por fim, acerca desse limite entre legalidade e ilegalidade do marketing de emboscada, a principal questão atualmente cinge-se sobre o marketing através do patrocínio de atletas, clubes e seleções participantes. Estes, regra geral, são realizados por uma longa duração e sofrem restrições durante o evento em favor dos patrocinadores oficiais, empresas geralmente concorrentes diretas a estas. Essas restrições são tipificadas na regra 40 da Carta Olímpica e trazem à tona grandes tensões entre as principais marcas mundiais.

A Regra 40 e suas consequências na RIO-2016 

A Carta Olímpica é um documento que contém regras e orientações acerca da realização dos Jogos Olímpicos. Em seus artigos, encontramos normas a serem fiscalizadas pelos comitês olímpicos e de necessária adesão pelos Estados Nacionais que desejam sediar este megaevento. Entre eles, abordando o tema do marketing e da propaganda esportiva, está a polêmica regra 40. Esta regra dispõe que:

1. Cada FI estabelece os critérios de admissão próprios à sua modalidade, de acordo com a Carta Olímpica. Tais critérios devem ser submetidos à aprovação pela Comissão Executiva do COI.

2. A aplicação dos critérios de elegibilidade compete às FIs, às federações nacionais filiadas naquelas e aos CONs no âmbito das respectivas competências.

3. Salvo autorização da Comissão Executiva do COI, nenhum concorrente, treinador,  instrutor ou oficial que participe nos Jogos Olímpicos pode autorizar que a sua pessoa, o seu nome, a sua imagem ou as suas performances desportivas sejam exploradas  com fins publicitários durante os Jogos Olímpicos.

4. A inscrição ou participação de um concorrente nos Jogos Olímpicos não pode estar condicionada por qualquer contrapartida financeira.

Esta norma olímpica determina a proibição dos atletas de participarem de campanhas publicitárias durante o período do evento, bem como no período de 15 dias antes e depois de sua realização, a despeito de seus contratos de publicidade e direitos de imagem firmados individualmente com diversas marcas e serviços.

A justificativa é a mesma de todo o combate ao ambush marketing: a necessidade de proteger de qualquer forma a exclusividade dos patrocinadores oficiais, que investem milhões na organização do evento e são fundamentais para o desenvolvimento desses megaeventos.

Entretanto, esta regra é motivo para críticas severas dos próprios atletas e de clubes e associações esportivas. As restrições ao marketing de empresas não oficiais não podem passar dos limites da livre concorrência e, neste caso, da capacidade de contratar.

Ademais, são esses patrocínios individuais que acompanham os atletas durante toda a preparação do ciclo olímpico, possibilitando um treinamento de alto nível e, consequentemente, dando suporte para o crescimento da qualidade esportiva dos próprios Jogos Olímpicos.

Segundo os atletas, essas restrições acabam por prejudicar suas carreiras, tendo em vista que potenciais marcas que poderiam estar investindo cada vez mais dinheiro em seus desempenhos, são desestimuladas a tanto, visto que não poderão usufruir dos benefícios da participação do atleta no maior evento esportivo mundial, sendo esses frutos colhidos pelos patrocinadores oficiais das Olimpíadas, que nada contribuíram durante anos pela carreira desses atletas.

Com as críticas quanto à rigidez da regra 40, o Comitê Olímpico Internacional flexibilizou a aplicação dessa norma para as Olimpíadas de 2016 no Rio de Janeiro.

A partir dessa edição, passa a ser permitida que campanhas publicitárias de atletas patrocinados por empresas não oficiais permaneçam no ar durante os Jogos Olímpicos, desde que estas tenham entrado em circulação antes do dia 27 de março de 2016. Ainda assim, estas campanhas precisam passar antecipadamente pelo crivo do COI.

O objetivo de restringir as campanhas de acordo com as datas de veiculação é impedir que empresas entrem com patrocínios de última hora, se aproveitando do momento olímpico efervescente nas sociedades.

No entanto, essa flexibilização ainda não é considerada suficiente para as marcas e para os atletas. Estes ainda não podem utilizar qualquer adereço que reflitam sua relação à marca ou serviço ou mesmo comentar ou fazer qualquer referência sobre seus patrocinadores durante o evento olímpico.

Ademais, pequenas empresas que não possuem tanto poder de investimento, não conseguem utilizar a seu favor esta flexibilização, tendo em vista o alto custo de se manter uma publicidade por um período relativamente grande entre a data imposta pelo COI e o advento dos Jogos Olímpicos.

Em entrevista à ESPN, Lisa Baird, do comitê americano, deu um exemplo da "injustiça" das marcas que tentam se aproveitar dos Jogos:

Os atletas podem dizer de modo genérico, 'Obrigado ao meu patrocinador', durante os Jogos. Mas uma empresa que vende bebidas isotônicas para atletas não pode fornecer seu material e depois postar algo sobre os Jogos. Eles não estão fazendo nada além de usar a Olimpíada para vender sua bebida.

Ou seja, por mais positiva que tenha sido a relativização da regra 40, esta ainda apresenta alguns excessos na proteção dos direitos dos patrocinadores oficiais. Assim como tratado nos capítulos anteriores deste trabalho, resta clara a necessidade de limitação do que é direito dos investidores formais do evento e do que é direito de concorrência das demais empresas na ativação de suas marcas e envolvimento com o espírito olímpico trazido à tona durante o campeonato.

A necessidade de os patrocinadores oficiais deixarem explícito para os espectadores que são os reais envolvidos na organização do evento é sim fundamental e deve ser tratada de forma atenta pelas entidades esportivas e pelos Estados. A crítica aos excessos no combate não tira o direito de exclusividade desses investidores e sua importância basilar para a realização do evento, tampouco a ilegalidade de certas ações de marketing. Espera-se das entidades organizadoras um monitoramento das ações  oportunistas, juntamente aos órgãos legais responsáveis por esse controle e fiscalização.

Todavia, as próprias empresas investidoras possuem um papel fundamental no tocante ao marketing de emboscada. Elas são importantes não somente no combate ao marketing ilegal, mas, principalmente, quando se trata do marketing legal, criativo e competitivo. De acordo com Cardia (CARDIA, 2004, p. 175): “[...] o melhor que pode e deve  ser feito pelos organizadores dos eventos é preparar os patrocinadores oficiais para ocupar os  espaços, não deixando brechas para terceiros”.

As ações de emboscada ocorrem, muitas vezes, pela postura passiva  que as empresas investidoras adotam após conseguir o patrocínio exclusivo. Cardia (2004, p. 175), novamente, afirma que “na maioria das vezes, esse resultado se dá em virtude do mau  aproveitamento do evento e de suas oportunidades de marcar presença junto ao público da  parte dos patrocinadores oficiais”.

Ao assinar o contrato de patrocínio, algumas empresas não se preocupam em fazer o melhor proveito desse contrato, investindo maciçamente em distintas formas de marketing e publicidade. Estas são as lacunas aproveitadas pelas  empresas não-oficiais.

Ainda ressaltando a falta de postura dessas empresas, o autor salienta que se chega ao absurdo de notar que empresas que praticam o marketing de emboscada dedicam mais esforços para desenvolver ações de maior impacto do que os próprios patrocinadores.

Michael Payne (PAYNE, 2006, apud TORMIN, 2014, p. 34) destaca como abertura para as práticas de marketing de emboscada a falta de atenção aos detalhes na hora de firmar os contratos de patrocínio, deixando de utilizar todo o potencial de divulgação do campeonato. Payne aponta que: “[o]s primeiros incidentes dessa espécie de marketing eram, com frequência, exemplos de fracasso da organização esportiva para colocar a casa em  ordem, ao permitir que a concorrência capturasse oportunidades entre os vários órgãos atléticos e esportivos”. 

Isto posto, Meenaghan (2001) dispôs sobre as formas por meio das quais as empresas investidoras podem inibir a ativação de outras marcas, sendo estas o patrocínio de transmissão do evento, a compra de publicidades nos setores de transmissão, o desenvolvimento de operações de promoção no momento do evento, a utilização de fotografias dos locais, equipamentos, símbolos e outros elementos que são de seu uso  exclusivo, entre outras.

Há várias outras maneiras de se impor como marca oficial, não deixando espaço para a dúvida dos consumidores quanto a quem associarem o evento esportivo. Ativar o patrocínio o quanto antes é fundamental para obter os melhores benefícios desse aporte  financeiro. Não há como esperar que essa associação seja disseminada com a visibilidade do evento. Quanto antes a marca demonstrar sua participação na realização do espetáculo, mais fácil será manter essa associação na mente dos consumidores quando da ocorrência das competições.  

É fundamental que os altos investimentos para conseguir o patrocínio oficial sejam realizados conjuntamente com estratégias para um investimento tão alto quanto em atividades de apoio ao patrocínio. Isso pode ocorrer, por exemplo, com a ativação da marca nos meios de transmissão do evento, a utilização dos protagonistas esportivos em suas campanhas de publicidade e, primordialmente, com a ocupação “in loco” dos locais de  competição e seus arredores.

Durante as Olimpíadas do Rio 2016, por exemplo, a Skol, ao criar espaços de convivência e entretenimento musical dentro do Parque Olímpico e em diversos outros espaços pela cidade, deixava clara sua associação direta com o evento, inibindo suas concorrentes.  

Segundo o vice-presidente de marketing da American Express nos Estados Unidos da América “os patrocinadores devem dominar todos os campos do composto de marketing da empresa; devem investir em relações públicas, promoções e propaganda, para que todos saibam que eles são os patrocinadores oficiais” (1993, p. 68 apud REIS, 1996).

Por fim, ressalta Matthieu Fenaert, diretor executivo da Octagon Brasil, que a melhor forma de combater ações de emboscada é “criar uma conexão impactante que deixe clara a ligação entre a marca e o evento. Se a marca patrocinadora ativa, comunica, faz  várias ações fortes, a associação na mente do consumidor estará clara e não deixará brecha  e espaço com marca concorrente”.

Não há dúvidas, após todo o estudo demonstrado neste trabalho, do valor econômico e da importância dos megaeventos esportivos e, principalmente, dos Jogos Olímpicos. Esta importância traz à tona disputas acirradas na procura de obtenção dos inúmeros benefícios que este momento do esporte internacional pode creditar.

Sendo assim, resta clara a necessidade de intervenção sobre a iniciativa privada com o objetivo de fiscalizar e proteger aqueles que são os pilares para a realização desse evento. É clara também a  necessidade de discutir e analisar até onde vai esta fiscalização em impedir os direitos de todos se aproveitarem de algum modo do momento propiciado pelo movimento olímpico a cada quatro anos.


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Vanessa Lima

@vanessa-lima

Artigos acadêmicos

Advogada, especializada em Direito Desportivo. Head jurídico da Netshoes Miners. Consultora jurídica da empresa de agenciamento L10 Assessoria e Consultoria Esportiva LTDA. Professora do Curso de Pós-Graduação em Direito Desportivo e Negócios do Esporte do Centro de Estudos em Direito e Negócios (CEDIN). Membro do Women in Sports Law-WISLAW. Graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais e Pós graduada em Direito Desportivo e Negócios do Esporte do Centro de Estudos em Direito e Negócios (CEDIN).